domingo, 29 de novembro de 2009

Expectativas existem para serem frustradas, concluiu em silêncio a moça de vestido colorido e flor na cabeça. Fechava os olhos, ainda pesados da noite anterior, tentando entender a lógica burra dessa vida em comunidade. A lógica estranha e burra de todas as coisas que passam.

Açúcar, pensou, açúcar seria bom.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Eram todos os dias iguais. Cheios de sol, tempestades e falta de vontades. Eram dias seguidos de noites, sempre. Nunca um céu de lua cheia.
O tempo guardado dentro do relógio pendurado na parede, a felicidade das cores resumida num esmalte para as unhas.
O mesmo sempre, sempre.
Na lembrança, a menina. Assim fazendo pose pro retrato de ficar na parede. Numa falta de preocupação, como se o futuro fosse certo e o tempo passasse como devia ser. Nunca um medo maior, nunca uma preocupação com o sempre.

E hoje tinham lhe dito que, por alguma razão, era dia de ser dia diferente.
Era dia de abrir a janela, de deixar que lhe dissessem que o futuro seria bom, de receber abraços guardados pra dias como esses. Era hoje um dia de ver o tempo caminhar. De ver os ponteiros do relógio correndo em círculos, sem chegar nunca em lugar nenhum.

Dormia sempre que algo dava errado. Pedindo pra que o mundo corresse pra um lugar melhor. Pedindo pra que tudo fosse diferente na hora de abrir os olhos.

Talvez alguém tenha lhe ouvido, quando acordasse, hoje, duas décadas teriam passado.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Interurbano

Era uma daquelas noites que vem depois de outras noites. Era quente, sem vento, sem estrelas.

Se hoje ele telefonasse, ela lhe diria como eram insuportáveis os 'dias seguintes'. Eram lotados de inquietações, de tempos que não passam, de gentes sem graça na rua. Eram sempre essa mistura incômoda de silêncio morto e chiado de rádio sem sintonia. Sem falar das saudades... sempre maiores, intermináveis, imortais. Nos dias seguintes, as saudades eram irracionais. Diria sim, diria mais. Diria o quanto ele é só uma idealização idiota, colorida demais. Diria que ele é o pigarro, a falta de versos, a melodia atravessada, a insônia, os cigarros... que é também, vez em quando, um ou outro arranhão, o batom fora da boca, a falta de fôlego, o sorriso escondido no canto do lábio. Expectativa de estréia, terror de fracasso. Tédio, sessão da tarde e grito parado no ar na descida de montanha-russa. Embriaguez. Ela lhe diria, no telefone, o quanto ele é perturbador... o quanto é necessário. Diria do gosto de susto que ele lhe deixa na boca, do cheiro permanente dele que fica sempre na pele dela. Hoje não mediria palavras, não respiraria fundo nem contaria até dez. Hoje ela falaria dos arrepios no pé da nuca, mas desse jeito mesmo 'arrepios no pé da nuca', nada de descontrole, poesia ou subjetivismos. Nada dessas criações apaixonadas que ela fazia a respeito dele. Só as sensações reais, a falta, o vácuo, a conversa de elevador, os sussurros desconexos...

E, enumerando realidades, subitamente se levantou e tirou o telefone do gancho.

Renata Martins
(Escrito em 02.10.09)

- Um dia seguinte.

domingo, 13 de setembro de 2009

Sopro

E quando eu olhar pra você
O ar vai passear pelos meus pulmões
Numa espécie de vento-susto
Mistura de brisa e vendaval

Vai passar dentro de mim
Misturando as tuas cores
Com as minhas lembranças bobas
E nessa hora eu vou sorrir

Vai, aos poucos,
Varrer os seus olhares
E fazer as nossas palavras levantarem voo
Vai brincar com os trapos que você deixou aqui

Num suspiro inevitável
Esse mesmo vento
Vai dar cambalhotas
Vai me embrulhar o estômago
Vai me fazer chorar

Mas só se eu olhar pra você.

Renata Martins
(Escrito em 13.09.09)

- Vendaval.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Rabisco

Sentou. Calada. Os cabelos ainda molhados do banho recente e da chuva que caía o dia todo do lado de fora. Pensou no que queria dizer, se teria coragem de escrever e se, depois de escrito, teria coragem para o mais difícil: dar um jeito daquilo tudo ser lido.
Simplesmente precisava daquilo, da caneta deslizando no papel e, aos poucos, formando palavras e frases que talvez só fizessem sentido pra ela.
Estava irritada. Quando perguntavam o motivo, sorria e dizia que eram só pensamentos sem importância. Não mentia. Só faltava descobrir sem importância pra quem. Sabia que pra ela eram realmente importantes. Faziam-na ir do riso ao choro compulsivo em minutos.
Chamavam de saudade aquilo. Se deu conta depois de olhar as fotos dos tempos de paralelepípedo.
Sentia uma falta imensa daquela gente que não entendia o seu jeito de brincar, seu jeito rápido, quase desesmbestado, de falar e a vontade de sempre querer ir onde não podia estar.
Se pegou lembrando de quando acordava por lá, sabia que já não entendia o porquê de tudo aquilo. Sabia que sentia falta da rotina avassaladora, de um ou outro garoto de fala confusa, das andanças empoeiradas e da garoa ácida do fim do dia.
De repente, no meio de tudo aquilo, gritou. E com o grito deixou sair pela boca tudo que causava algum tipo de dor. Gritou ar, a falta, as risadas que ela não dava, os versos que não tinha conseguido escrever, algumas lembranças dele, meia dúzia de números de telefone, um ou outro parágrafo sem sentido e a dúvida de ter feito ou não a coisa certa. Cuspiu a dúvida longe.
Quando se deu conta, já não escrevia, nem de longe, o que havia planejado escrever. Não foi uma surpresa, nunca escrevia aquelas palavras.
Mas não importava.
O importante, hoje, era gritar, não escrever.

E gritar ela havia gritado.


Renata Martins
(Escrito em 09.09.09 - ? )


- Mais leve.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Uma bebida e um amor, sem gelo, por favor.

Numa noite dessas
Que o céu empoeirou
Eu me perdi
Numa curva bêbada
Que desenha o teu corpo

Bebi o teu desenho
Me viciei no teu cheiro
Rasguei os versos
Escritos pra você do meu jeito

E numa mistura
De sonho e martini
Dormi
Com o rosto e o sorriso
Colados no teu peito

Renata Martins
(Escrito em 21.08.09)

-Era Vênus.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

De sopetão.

É, eu voltei.

Voltei pra minha vida de buzinas, monóxido de carbono e deliverys 24 horas. Voltei pra fazer a dupla virar trio de novo, pra deixar 4 escovas de dentes no armário do banheiro, pra ter cachorro dentro de casa e um quartovermelho.Eu deixei as intermináveis ladeiras de pedra, as repentinas reviravoltas de madrugada, as fumaças e os chás da cozinha. Eu deixei lá com eles um amor imenso.
Eu voltei porque eu tive medo. Tive de medo de um dia abrir os olhos e ter que contar pra alguém que eu não fui o que eu queria tanto ter sido. Medo de olhar no olho e dizer que o que me faltou foi coragem e não vontade. Eu voltei pra buscar motivos. Fui assim sempre... nunca funcionei se não tivesse um bom motivo.
Eu tô juntando os cacos. Acho que deixei um pedaço grande lá...Nem sei falar da falta que eu vou sentir da liberdade, da tranquilidade e da falta de satisfações inúteis. Nem sei falar da saudade deles.
Ficaram lá as igrejas barrocas, artesanatos de pedra sabão, e o relógio do Mickey no banheiro.Eu vou sentir saudade da Tolê. Do tolê.
Acho mesmo é que essa coisa de fazer escolhas é uma grande babaquice. A gente escolhe, se arrepende, volta atrás, escolhe de novo... eu mesma, acho que já escolhi umas 300 vezes e 'desescolhi' uma porção delas tbm. A questão é que a gente nunca consegue ficar inteiro. Tem sempre o cara que deixa saudade,a mãe que deixa saudade... o cheiro de pipoca de madrugada, os bordões sem sentido, os amigos espalhados cada um pro seu lado da fronteira, tudo deixa buraco na gente. Se eu pudesse, apagava essas linhas imaginárias, puxava Minas pro meu bairro e ia comer pão de queijo e falar "uai" na Rua Augusta tomando cerveja.
Eu, se pudesse, juntava tudo que me faz feliz e fugia pra uma dessas Ilhas do Pacífico... só pela paz do nome do oceano.
Agora, eu fecho os olhos e peço pro vento me trazer alguma coisa que faça valer a pena... nem que seja só o próprio vento mesmo, batendo no rosto e balançando o cabelo num dia de calor sem brisa.

Podia ser conto, crônica ou poesia... mas me desculpem, hoje é só desabafo.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Era sempre a mesma confusão, a mesma agonia. Primeiro ela tentava jogar areia nos sentimentos que não queria mais que existissem, olhava pros lados e sorria aleatoriamente pra quem passasse na rua. Quando entendia que aquilo não era a solução, se calava, ficava introspectiva e passava horas escrevendo versos num caderno que calava seus segredos.
Quase sempre era assim, quando alguma coisa incomodava ou doía, ela preferia o silêncio do seu quarto, sem gente que insistia em dizer que o mundo acontecia lá fora. O mundo dela era dentro. Sempre havia sido dentro.
Às vezes passava longos períodos de reclusão, como uma lagarta que precisa se trancar no casulo pra finalmente virar borboleta, e quando saía, olhava tudo com olhos mais abertos, como se só depois de tudo pudesse ver.
Ela não gostava da influência que ele (sempre ele) exercia sobre as suas decisões, simplesmente não suportava mais aquele furacão dentro do peito. Ele era um rapaz comum, sem grandes atrativos físicos... era inteligente, isso é fato, e tinha a melhor lábia da América Latina. Sabia dizer exatamente as coisas que ela gostava, queria e precisava ouvir, o problema é que só dizia quando tinha vontade. E, verdade seja dita, tinha tido pouquíssima vontade nos últimos tempos...


Renata Martins
(Escrito em 16.04)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Tentativa 46 de esquecer você

Pouco importa o seu sorriso
Ou o cheiro que você deixa quando passa
Pouco importam as roupas, as palavras
Ou que isso não vá dar em nada

Não me importam as suas bebedeiras, as suas saideiras
Ou os seus beijos de despedida
Não me importa a sua rotina, os seus medos passageiros
Ou o seu livro favorito

Não faz diferença o gosto do seu beijo, o corte de cabelo
Ou aquele seu olhar sem jeito
Parei de reparar na forma das suas mãos, no tamanho dos seus pés
Ou nessas palavras que eu não entendo

Pouco me importam as suas meias furadas, as anotações espalhadas
Ou toda aquela metafísica barata
Simplesmente não me importam as suas noites, os seus dias
Ou qualquer uma das suas falsas melodias

E pra você que lê, o que importa é que é mentira.


Renata Martins - Pensando na tentativa 47.
(Escrito em 10.03)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

De madrugada

Falar de você não dá poesia
Não dá verso
Não dá rima

Dá saudade.

Renata Martins
(Escrito em 15.02.09)


- Minha saudade come fermento.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Ironia

Em plena Era de Aquário
Eu me sentindo um peixe fora d'água

Renata Martins
(Escrito em 13.02.2009)


- Véspera de sábado 14.