terça-feira, 8 de setembro de 2009

Rabisco

Sentou. Calada. Os cabelos ainda molhados do banho recente e da chuva que caía o dia todo do lado de fora. Pensou no que queria dizer, se teria coragem de escrever e se, depois de escrito, teria coragem para o mais difícil: dar um jeito daquilo tudo ser lido.
Simplesmente precisava daquilo, da caneta deslizando no papel e, aos poucos, formando palavras e frases que talvez só fizessem sentido pra ela.
Estava irritada. Quando perguntavam o motivo, sorria e dizia que eram só pensamentos sem importância. Não mentia. Só faltava descobrir sem importância pra quem. Sabia que pra ela eram realmente importantes. Faziam-na ir do riso ao choro compulsivo em minutos.
Chamavam de saudade aquilo. Se deu conta depois de olhar as fotos dos tempos de paralelepípedo.
Sentia uma falta imensa daquela gente que não entendia o seu jeito de brincar, seu jeito rápido, quase desesmbestado, de falar e a vontade de sempre querer ir onde não podia estar.
Se pegou lembrando de quando acordava por lá, sabia que já não entendia o porquê de tudo aquilo. Sabia que sentia falta da rotina avassaladora, de um ou outro garoto de fala confusa, das andanças empoeiradas e da garoa ácida do fim do dia.
De repente, no meio de tudo aquilo, gritou. E com o grito deixou sair pela boca tudo que causava algum tipo de dor. Gritou ar, a falta, as risadas que ela não dava, os versos que não tinha conseguido escrever, algumas lembranças dele, meia dúzia de números de telefone, um ou outro parágrafo sem sentido e a dúvida de ter feito ou não a coisa certa. Cuspiu a dúvida longe.
Quando se deu conta, já não escrevia, nem de longe, o que havia planejado escrever. Não foi uma surpresa, nunca escrevia aquelas palavras.
Mas não importava.
O importante, hoje, era gritar, não escrever.

E gritar ela havia gritado.


Renata Martins
(Escrito em 09.09.09 - ? )


- Mais leve.

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