Era uma daquelas noites que vem depois de outras noites. Era quente, sem vento, sem estrelas.
Se hoje ele telefonasse, ela lhe diria como eram insuportáveis os 'dias seguintes'. Eram lotados de inquietações, de tempos que não passam, de gentes sem graça na rua. Eram sempre essa mistura incômoda de silêncio morto e chiado de rádio sem sintonia. Sem falar das saudades... sempre maiores, intermináveis, imortais. Nos dias seguintes, as saudades eram irracionais. Diria sim, diria mais. Diria o quanto ele é só uma idealização idiota, colorida demais. Diria que ele é o pigarro, a falta de versos, a melodia atravessada, a insônia, os cigarros... que é também, vez em quando, um ou outro arranhão, o batom fora da boca, a falta de fôlego, o sorriso escondido no canto do lábio. Expectativa de estréia, terror de fracasso. Tédio, sessão da tarde e grito parado no ar na descida de montanha-russa. Embriaguez. Ela lhe diria, no telefone, o quanto ele é perturbador... o quanto é necessário. Diria do gosto de susto que ele lhe deixa na boca, do cheiro permanente dele que fica sempre na pele dela. Hoje não mediria palavras, não respiraria fundo nem contaria até dez. Hoje ela falaria dos arrepios no pé da nuca, mas desse jeito mesmo 'arrepios no pé da nuca', nada de descontrole, poesia ou subjetivismos. Nada dessas criações apaixonadas que ela fazia a respeito dele. Só as sensações reais, a falta, o vácuo, a conversa de elevador, os sussurros desconexos...
E, enumerando realidades, subitamente se levantou e tirou o telefone do gancho.
Renata Martins
(Escrito em 02.10.09)
- Um dia seguinte.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
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